É possível ser amigo de um ex?

Não interessa a quantidade de filmes de Hollywood que nos falam que o amor verdadeiro pode superar obstáculos; nós sabemos que a realidade é um pouco diferente. Até mesmo o mais saudável dos relacionamentos tem seus altos e baixos, e o resultado disso é geralmente uma das duas opções a seguir: um amor incondicional e repleto de aceitação (também conhecido como “e foram felizes para sempre”) ou uma separação. No entanto, existem situações em que uma terceira alternativa é apresentada: colocar um ponto final na história de amor, mas seguir como amigos. Ou ao menos tentar.

É natural querer manter a amizade com um ex do ponto de vista psicológico. “Uma separação pode ser mais dolorosa do que uma perda”, afirma o especialista em relacionamentos Miles Pulver. “Quando alguém morre, essa pessoa se vai para sempre. Já com um ex, ele ainda está vivo e pode estar com outra pessoa. Você é obrigado a chorar pela perda ao mesmo tempo que vê o outro seguir em frente sem você”. Esse tipo de estresse, misturado com o medo da solidão, é muito difícil de lidar. Além disso, explica Pulver, “temos um sistema de apego dentro de nós, o que significa que tentamos ficar próximo das pessoas e evitar a separação”.

Existem diversos exemplos de amizades com ex entre as celebridades: a atriz Gwyneth Paltrow e o músico Chris Martin afirmam que, após o término, eles se tornaram “mais próximos do que nunca". Eles afirmam ainda que costumam apresentar novas pessoas um ao outro até fazem viagens juntos. Irina Shayk e Bradley Cooper também optaram por permanecer amigos após o fim da relação pelo bem da filha do casal, e procuram criá-la juntos e realizar almoços em família.

“Não há nada de errado em permanecer amigo de um ex dependendo das circunstâncias”, afirma o especialista em relacionamento Jonathan Bennett. "Na verdade, levando em consideração que muitas separações são repletas de drama, permanecer amigos pode ser um sinal de maturidade”. No entanto, isso não significa que esta é a decisão ideal para todos os ex-casais: “Se ainda existirem sentimentos mal resolvidos, a amizade pode ser apenas uma porta de retorno para o antigo relacionamento”, afirma. “Muitas pessoas resolvem seguir amigos na esperança de haver outra chance de reatar o namoro”. Essas pessoas correm o risco de entrar em um relacionamento que começa e termina o tempo todo, o que pode ser muito mais traumático do que a separação inicial.

Quando você NÃO deve ser amigo de um ex?

Rachel Sussman, psicoterapeuta e autora do livro The Parting Bible, reforça que nos casos em que o relacionamento já não era saudável (seja porque era tóxico, manipulador ou abusivo), qualquer tipo de contato deve ser interrompido. Uma amizade nessas circunstâncias provavelmente será cheia de manipulação e brigas. Afinal, se uma pessoa costuma seguir certos padrões de comportamento, ela provavelmente vai repeti-lo em qualquer relacionamento - seja romântico ou apenas amizade.

Pode ser complicado manter uma amizade com um ex se vocês não eram amigos antes de namorar. “Se a conexão entre vocês era muito forte, com uma intensa vida sexual, quais as chances reais de vocês se tornarem só amigos?” diz Sussman. "A química nem sempre muda”. Se você se encontrar nessa situação e decidir manter a comunicação com seu ex, é provável que vocês acabem se envolvendo sexualmente mais uma vez. E antes que isso aconteça, pergunte-se honestamente: você está ok em ser só amigos com benefícios? Quando ele conhecer outra pessoa, você vai estar preparado para desapegar?

Outro grande obstáculo quando você quer ser amigo de um ex é o quão recente é a separação. De acordo com Susan Elliott, autora de “Como superar um término”, o ideal é ficar pelo menos seis meses sem comunicação com o seu ex (a quantidade de tempo pode variar de acordo com a seriedade do relacionamento e da maneira como terminou). “É necessário tempo para você reaprender a encarar o mundo como uma pessoa solteira”, explica.

Após o término de um relacionamento, é comum você ficar emocionalmente vulnerável. Portanto, antes de pensar em começar uma amizade com o ex, certifique-se de que você já se sente forte o suficiente sozinho. De acordo com um estudo publicado em 2013, “a dor de um término pode na verdade ser um catalisador para o crescimento pessoal”, e, se você não processar suas emoções corretamente, pode inibir este desenvolvimento. Portanto, permita-se tempo e espaço suficiente para curar!

E quando ser amigo de um ex pode ser uma boa ideia?

A maior parte dos psicólogos concorda que ter filhos em comum é um bom motivo para tentar manter um bom relacionamento com seu ex. Se o bem-estar da criança é prioridade para vocês, então a amizade provavelmente não será um problema. Parceiros cujo relacionamento romântico foi curto e / ou se originou de uma amizade também têm grandes chances de continuar a relação neste novo formato.

Em geral, existem três fatores principais que indicam se você pode ser amigo de seu ex: honestidade, ausência de sentimentos mal resolvidos e respeito pelos limites do outro. Para que uma amizade genuína realmente aconteça, ambas as partes devem estar cientes de que o relacionamento romântico acabou e que não há motivo para voltar a ele. Vocês podem então se tornar amigos porque confiam um no outro e possuem interesses em comum, e não porque ainda são dependentes do que aconteceu.

Mas uma amizade entre vocês é realmente possível? Conversamos com três blogueiras que nos contaram sua real experiência sobre tentar ser amigos de um ex.

Katya Butko, empresária e blogueira

(a imagem está disponível na versão completa do artigo)

“Meu ex-namorado era dos Estados Unidos. Eu queria o visto para me mudar e ficar com ele, mas foi impossível. Depois de seis meses de comunicação virtual, percebemos que o relacionamento a distância não estava funcionando. Nós dois queríamos viver nossas próprias vidas, mas, como éramos muito próximos, decidimos continuar amigos. Hoje, quatro anos depois do término (que é muito mais tempo do que o período que estivemos juntos), ainda nos entendemos e apoiamos. Eu sou muito feliz por ainda tê-lo na minha vida”.

Maya Klugman, autora do canal de telegram Eat Girl Moscow:

(a imagem está disponível na versão completa do artigo)

"Meu relacionamento mais longo durou três anos e meio e foi muito intenso emocionalmente. Tudo começou com o encontro de duas almas gêmeas, e do primeiro ao último dia a relação foi divertida e interessante. Nós éramos muito parecidos e nos entendíamos bem. O problema é que nossa atração um pelo outro não era apenas devido ao nosso senso de humor, mas também porque compartilhávamos traumas em comum. Nossas experiências ruins se encaixaram perfeitamente como as peças de um quebra-cabeça, nos levando a uma relação neurótica e codependente da qual eu só consegui sair graças à terapia.

Na minha opinião, a forma como agimos corresponde ao nosso nível de desenvolvimento pessoal. Não culpo a mim mesma ou ao meu parceiro pelas coisas que aconteceram no nosso relacionamento - nós simplesmente não sabíamos como parar de repetir nossos padrões de comportamento. Nos machucamos muito e sofremos por causa disso. Apesar das muitas coisas boas que existiam entre nós e de como elas influenciaram na minha vida, eu ainda considero o fato de ter conseguido deixar isso para trás como uma das maiores conquistas da minha vida. Foi somente depois de seis meses de terapia, me esforçando para encontrar minha própria independência e identidade, que eu finalmente consegui sair do ciclo interminável de terminar e começar de novo.

Fui eu quem dei o primeiro passo para o término, então foi um pouco mais fácil para mim. Eu queria que nós continuássemos amigos (o que é na verdade extremamente cruel com a outra pessoa, mas eu não entendia isso naquela época). Nós continuamos a amizade e aos poucos eu me recompus e aprendi a viver de forma independente, e meu ex me deu muito suporte nesta fase. Na minha visão, eu tinha conseguido manter uma pessoa importante na minha vida, agora na forma de um amigo.

No entanto, seis meses depois, quando meu ex percebeu que não havia chance de nosso relacionamento voltar, ele cortou abruptamente a comunicação comigo. Infelizmente, na época eu não aceitei a decisão dele e continuei com as minhas tentativas egoístas e manipuladoras de ‘seguir sendo amigos’. Nós voltamos a nos falar, mas, de repente, retomamos o velho hábito de discutir por tudo. Eu ainda não tinha trabalhado meus sentimentos o suficiente e ele não fazia terapia, então era bastante provável que nada de bom resultaria dessa comunicação. O resultado foi que nós tivemos uma grande discussão e terminamos de vez.

Até aquele momento, eu ainda pensava que o mundo era ‘nosso’. Nós tínhamos muitos amigos em comum e até um projeto que ele havia criado e eu ajudei a desenvolver. E, de repente, eu perdi tudo da noite pro dia. Eu não tive escolha a não ser me reconstruir do zero. Eu fiquei dominada por raiva, ressentimento e até ódio. Eu olhava para tudo o que aconteceu partindo da minha perspectiva de ‘pessoa que foi magoada’, e culpava meu ex por tudo. Foi apenas depois de um ano e meio de separação e muita terapia que eu consegui chegar a uma conclusão muito dolorosa: não foi ele quem me machucou. Eu mesma era um monstro - egoísta, cruel, terrivelmente manipuladora, distorcendo a realidade e torturando outra pessoa (embora inconscientemente). Era insuportável enxergar pela primeira vez o meu verdadeiro eu e deixar de lado minha confortável posição de vítima.

Atualmente nós não nos falamos, mas não há ressentimentos (ao menos do meu lado). Eu lembro do nosso relacionamento com muito carinho e gratidão, e ainda vejo resquícios do tempo que passamos juntos na minha vida: os hábitos, brincadeiras e interesses dele ainda se refletem na minha personalidade.

Eu escrevi uma carta para ele pedindo perdão, mas ele nunca respondeu. Mesmo assim, eu senti um alívio. Afinal, cartas como estas não são escritas realmente para ter uma resposta - elas são escritas para você mesmo. A transformação mais importante acontece sempre dentro da gente: os outros e as coisas que aconteceram só nos ajudam a nos entender e nos tornar melhores”.

Liza Mikhaleva, criadora e DJ:

(a imagem está disponível na versão completa do artigo)

"Eu era amiga do meu ex há mais ou menos um ano quando, de repente, nos apaixonamos e começamos a namorar. Foi o relacionamento mais saudável da minha vida. Ele é uma das pessoas mais incríveis que eu conheci. Eu admiro a honestidade dele - não havia nada sobre o qual não pudéssemos conversar e resolver. Com ele eu sentia que podia ser eu mesma. Eu adorava a maneira como ele me elogiava inesperadamente, e ao seu lado cresci muito como pessoa. Nós nunca discutimos durante o quase um ano e meio de relacionamento.

Mas de repente a pandemia começou. Ele ficou na Inglaterra e eu voltei para a Rússia. Era como se vivêssemos em universos paralelos: ele não saía de casa e eu encontrei um novo emprego, me mudei para o centro de Moscou, vi minha carreira de DJ crescer e até criei uma festa queer. Nos últimos meses do relacionamento eu trabalhava tanto que não tinha tempo nem de falar com os meus pais, quem dirá para telefonar para um namorado que estava a três fusos de distância.

Ficou muito difícil manter a comunicação e nós sempre adiávamos as conversas. Fazendo terapia eu percebi que minhas prioridades haviam mudado: o trabalho e a minha vida nova em Moscou tornaram-se mais importantes. Como a comunicação sempre foi um dos pontos fortes do nosso relacionamento, eu resolvi ser honesta com ele. Mas eu tinha medo de perdê-lo, por isso adiei a conversa por um longo tempo. Quando falei com ele, não pensava em terminar - eu imaginava que nós pudéssemos encontrar uma solução juntos ou talvez só dar um tempo. Mas depois de me ouvir, ele achou que deveríamos terminar. Para ele, seria muito difícil ficarmos juntos, pois eu iria me sentir obrigada a falar com ele mesmo quando não tivesse vontade (e ainda me sentiria culpada se não falasse), e ele se sentiria desconfortável com essa situação.

Nós concordamos que não queríamos bloquear um ao outro nas redes sociais e que não queríamos perder o contato. Eu disse que me sentia pronta para manter nossa comunicação, mas meu ex estipulou seus limites e disse que, por enquanto, não conseguiria ser meu melhor amigo. Ele precisava de tempo. Apesar disso, concordamos que podemos escrever um para o outro. É difícil pensar em outro tipo de término para a nossa relação. Mais uma vez, eu tive a certeza de que temos muito carinho mútuo e que estaremos sempre dispostos a nos apoiar e ouvir.

Eu ainda não sei o que vai acontecer entre nós. Não excluímos a possibilidade de ficar juntos de novo, de mudar a dinâmica do nosso relacionamento ou então de tentar ser apenas amigos. Tudo vai depender da nossa comunicação e, especialmente, do que vamos sentir quando nos reencontrarmos”.